O MELHOR DO MUNDO POSSÍVEL

A volte sorridi, a volte è più dura...

quarta-feira, dezembro 21, 2005

The Italian Job


Voltar a Itália é sempre um prazer. Rever os amigos um prazer maior. Juntar tudo é excelente.

Planeei a viagem durante algum tempo. O ideal era conseguir conciliar assistir ao Toro e à Roma, não ultrapassar o meu limite de 6 meses sem ir a Itália e rever todos os amigos que por lá tenho. Fim-de-semana ideal seria este. O Toro recebia o Brescia (segundo o Simone, um dos jogos mais importantes da época) e a Roma jogava a escassos 170 kms em Génova, frente à Sampdoria. O companheiro de viagem foi o Fernando e acho que dificilmente poderia ter sido mais divertido. Uma excelente surpresa, pois foi a primeira vez que passei assim tempo com ele.

A viagem no entanto começou da pior maneira. Duas horas de atraso no aeroporto de Lisboa à espera que o nevoeiro de Malpensa (o nosso destino) permitisse uma aterragem em segurança. Depois da espera, com ameaças de uma viagem adiada e as primeiras lições de italiano que eu dei ao Nando, o avião lá descolou. Rumo a Milão. Rumo a Itália.

A viagem de 2h30 passou calmamente. Umas turbulências normais nos Pirinéus e nos Alpes e rapidamente aterramos em Malpensa. Frio à chegada acompanhado por uma alegria imensa de regressar à pátria do Tifo.

Levantamos o nosso carro (um belo Punto Diesel) e lá rumámos a Turim. As primeiras mensagens em italiano chegavam ao telefone. Simone e o Andrea perguntavam se já tínhamos chegado. Obviamente. Estava de volta!

Com uma auto-estrada sempre em obras demoramos umas duas horas a percorrer os 120 kms que separam Malpensa de Turim. Depois de uma ou outra volta pela cidade chegamos a casa do Andrea Doi e do Chicco, os meus amigos torinesi que tão bem me receberam na minha primeira “tour” italiana.

Abraços, sorrisos e uma clara alegria de rever os amigos. O nosso hotel era perto e o Chicco e o Andrea lá nos acompanharam. Portas fechadas e uma rápida chamada telefónica. Hotel aberto. Malas no quarto e fomos jantar. Só eu e o Fernando. Já passava da uma da manhã e os nossos amigos italianos iam trabalhar no dia seguinte.

O primeiro choque cultural aparece à refeição. O arroz ou a pasta vem sempre primeiro que a carne ou o peixe. Eu já sabia mas o Nando não. Só rir com a cara das empregadas a verem nos a dividir o prato de arroz pelos nossos bifes.

Após duas sobremesas típicas lá fomos para o nosso hotel. O primeiro dia estava terminado. Já começara a valer a pena.

O segundo dia começa relativamente cedo. Depois de um pequeno-almoço rápido num dos típicos cafés de Turim fomos às primeiras compras. A Campioni na Via Urbano Ratazzi era o primeiro ponto de partida. Muitos me pediram compras ultras de lá, e não podia fazer essa desfeita aos amigos que cá deixara. O telefone apita e é o Andrea Venturini a dizer que se vai juntar a nós em Turim. As boas notícias não param. Depois das compras ultras (o Nando deliciava-se com os cachecóis da Roma enquanto dizia constantemente que não gostava da Juve, o clube dos donos da loja, e vociferava contra a presença de cachecóis de Porto e Sporting) saímos e demos logo de caras com o Andrea Doi. Fomos a sua casa. Um pequeno estúdio a 1 minuto da loja e praticamente no centro da cidade. Já conhecia da minha anterior visita, mas acho sempre que é uma casa com personalidade. Montanhas de livros, bandeiras e cachecóis na parede. Os mais de 35 anos do Andrea reflectem-se na casa que partilha com o seu irmão. Muita história naquelas paredes. Tendencialmente de esquerda, porque o Andrea é um homem de esquerda, mas muito virada para o fenómeno ultra italiano. Com um espacinho para material dos Diabos que anteriormente tínhamos trocado. Conversamos sobre tudo. As namoradas, o movimento ultra, a política em Itália e … o sorteio para a Champions League. Sai o Liverpool ao Benfica. Eu fico desiludido o Nando feliz. O Andrea presenteia-o com um cachecol da final do ano anterior a qual ele e o seu irmão assistiram em Istambul. Além de serem Granata são Milanistas, da extinta Fossa dei Leoni, pois claro…

Vemos um vídeo da viagem dos dois à cidade turca. Presenteia-nos com mais umas coisas. Rimos bastante. O Andrea tem de voltar ao trabalho e o Nando quer ir às suas compras. Emporio Armani. A próxima paragem.

Depois de quase duas horas de provas (ehehehe) lá o Nando sai feliz da loja. Um rombo no cartão de crédito mas uma quantidade de roupa à maneira.

Almoçamos e encontramo-nos com o Simone, novamente na Campioni. O Simone é um ultra do Toro e responsável pela Mentalità Ultras. Conheci-o no Euro2004 em Portugal por intermédio de um amigo da altura. Nunca mais perdemos o contacto e foi ele que me “apresentou” o Andrea Doi na minha primeira viagem. A última vez que tinha estado com o Simo foi na Final da Copa Itália em Milão. Inter – Roma. O Simone esteve presente por intermédio de um conhecido comum. Fábio dos Fedayn. Como o mundo ultra, mesmo em Itália, é pequeno.

Cumprimentos da praxe e conversa da praxe. Movimento ultra, como estão as coisas em Portugal, em Itália etc… Vamos visitar uma fábrica de estampagem de t-shirts, A Sericraft, propriedade de um amigo do Simo. Estão a acabar de estampar a única shirt que esta época foi feita pelos Ultras Granata. Uma especial de Natal dedicada aos Gobbi (Juventinos). Oferecem-me uma a mim e outra ao Nando que entretanto se deliciava com o vinho tinto com que nos receberam.

Depois da Sericraft fomos a uma loja de Street Wear. A “Way of Life”. Do género das lojas do género em Portugal. Após essa visita compramos o bilhete do Toro-Brescia para o Andrea Venturini e seguimos para o Estádio Delle Alpi. A Curva Maratona esperava-nos. Chegamos, comemos, trocamos uns dedos de conversa com o Simone e amigos entretanto chegados (incluindo o Oskar, vocalista dos Statuto) e entrámos no estádio, portadores do bilhete nominal da Lei Pisanu.

A Maratona continua igual a si própria. Apesar da suspensão dos Ultras do Toro e da inexistência de faixas de grupos, as caras, o estilo e o coração granata estão presentes. Tiro fotos, faço vídeos, o Nando vai esfumando uns conhecimentos e o Andrea Venturini chega, depois de uma viagem bíblica de 7 horas entre Roma e Turim (comboio + táxi). É bom rever o Andrea, mesmo sendo o amigo italiano com que mais privo pessoalmente, fruto de viagens minhas a Itália, dele a Portugal e de uma tournée inglesa pelo meio, parece que não nos vemos há anos. Vamos para a Maratona ver o resto da partida. O Brescia chega ao 1-0 e os cerca de 100 brescianos (apenas presentes os da curva sul pois os da norte não fazem qualquer transferta, indo em cada jogo fora para o hospital onde se encontra em coma Paolo e cantando para ele, um ultra ferido em confrontos com a polícia esta época em Verona) explodem. Tochas, cânticos. A Maratona não desiste e apoia o seu clube. Quase no fim o Toro empata. Poucas palavras poderão descrever o momento. Parecia que tinham ganho uma Taça. Eu e o Nando observamos as diferenças que saltam a olho nu entre Itália e Portugal…

O jogo termina e com os estômagos aconchegados dirigimo-nos para a Piazza Statuto. O Andrea Doi estava à nossa espera. O Simo deixa-nos. Apresentado o Andrea romano aos torinesi lá seguimos para a casa de Sasha. Um jovem que se encontra em prisão domiciliária devido em incidentes numa manifestação política. Revejo o Paulino e conheço mais uns amigos. Uns juventinos, outros milanistas, todos partilham grande paixão pelo movimento ultra e admiradores do jogador do Benfica Miccoli. Falamos sobre tudo mais uma vez. O à vontade com que nos recebem é algo difícil de explicar.

Após as horas passadas em casa do Sasha voltamos ao hotel. A noite já ia longa.

O terceiro dia italiano começa já perto das 12h. Acordamos, tomamos o pequeno-almoço e encontramo-nos com o Andrea, a ex-namorada, Chicco e a respectiva e o Paulino. A próxima paragem é a manifestação anti-TAV. Em Portugal nunca me passaria pela cabeça alinhar numa coisa destas, mas como me foi garantido que era apolítica lá me convenceram. Aliás, o importante é mesmo estar com os amigos. Como para o Nando o sentimento era igual, lá palmilhámos quase metade de Turim a pé e chegámos ao ponto de encontro da Manif: a estação ferroviária de Porta Susa. O aparato policial era brutal mas a presença das pessoas era impressionante. Cerca de 70 mil de todas as cores políticas estavam lá. A manifestarem-se contra a presença do TAV (o TGV italiano) no Val Susa. A manif termina no Parco della Pellerina num ambiente de festa e música. O Nando entretanto já ganhava um novo nome. Era o “Cobra”, graças aos óculos escuros que eram semelhantes aos do Stallone no mítico filme.

Impressionante o número de elementos com cachecóis ultras. UG, Fossa, Fedayn, Brigate NeroAzurra, Brigate Rossonere etc etc…

Regressamos à nossa base utilizando um gratuito (forçado…) autocarro. Um lanche improvisado e a notícia que, ao contrário do esperado, tanto o Andrea Doi, o Chicco e o Paulino nos vão acompanhar ao jantar dos Mods para o qual estamos convidados. Uma bela notícia. Juntamo-nos todos a mesa.

O jantar não era nada de especial. Pasta, lentilhas, enchidos e pannetone para terminar. Valeu pela companhia, os risos, as fotos e o belo do vinho que agradou muito ao Nando. A meio recebemos a notícia do golo e vitória do Benfica contra o Nacional. Todos festejamos.

Terminado o jantar fomos à loja Senza Pacienza (os criadores do célebre ACAB com o Puma, utilizado pelos Granata) e ao Centro Social Askatasuna., um “antro” de esquerda, mas lá está..pelos amigos… ehehehe

A noite estava animada por lá. Um DJ debitava a sua música num ambiente de fumos e álcool. O Simone e o Andrea Venturini falavam entre sim, eu com o Nando e o Andrea Doi, Chicco e o Paulino travavam conversas com os “habitues” do espaço. Depois de algumas horas no Centro (em que travámos conhecimento com alguns dos lideres dos UG) lá fomos aconchegar o estômago numa pastelaria torinesa. Entretanto o momento da noite. O Cobra decide comprar uma garrafa de Moet Chandon para acompanhar os bolinhos (uma que passou a duas…). Risada geral, cânticos em honra do Cobra. Um “sbalo”. Bem comidos e bebidos e pronto… onde é que mais podia ir parar a noite? Na busca de companhia feminina para um de nós a troco de uns euros. Mais risadas e cânticos. Sem sucesso regressámos ao hotel. Foram as despedidas entre nós e os torinesi. No dia seguinte partiríamos para Genoa. A última etapa da nossa tour.

Acordamos perto das 12h (a puxada noite anterior assim o obrigava) e almoçamos em Turim, sem antes darmos um passeio pela cidade em busca do restaurante sugerido pelo Simo. Como estava cheio lá nos remediámos por outro perto. Pegámos no Fiat Punto e lá fomos nós, ao som dos relatos da bola de domingo à tarde, a caminho de Génoa. Nas bermas e paisagens contíguas à auto-estrada os vestígios de neve. Um frio constante e já aquele sentimento da viagem estar nas suas últimas horas. Chegamos a Genoa. A mítica cidade portuária da Liguria. Um amontoado de casas, viadutos em ferro, túneis e de dois clubes históricos: a Sampdoria e o Genoa. As bandeiras de ambos dão colorido às janelas.

O Andrea Venturini marcou um encontro com um amigo de infância. Após esse “rendez-vous” vamos para o Luigi Ferraris.

Chegamos. Encontramos o Gaetano (outro amigo que já conhecia) que tem os nossos bilhetes. Carro estacionado, bilhete na mão. Entramos no Sector Ospiti, colocamos o nosso pano junto aos Fedayn e procuramos um local na bancada que nos permita desfrutar do espectáculo dos “tiffosi” e dentro do campo. Os 700 romanos são iguais a si mesmo. Provocadores com os seus potentes petardos e tochas. O sector é dos piores onde já estive. O estádio, apesar de uma beleza tipicamente britânica que foge aos padrões italianos, é velho. Nota-se nas paredes pejadas de autocolantes e grafittis de grupos que ali estiveram. Os dos Romanos destacam-se. Ódio aos Laziale e ao seu ídolo Paolo Di Canio. Aproveito e colo uns dos meus também. Obviamente que depois de colar é ver pequenos grupos a olhar para os mesmos… “Mas que raio faz aqui pessoal do Benfica?” Parecem perguntar…

Conheço o Federico. Um italiano que esteve um ano a viver em Portugal. “Erasmus na Lusíada, uma universidade de merda” dizia num português correcto. Ultra da Roma (Antichi Valori) tinha assistido a vários jogos na Luz na curva oposta à minha. Falámos sobre as diferenças entre Portugal e Itália. Obviamente.

Os Ultras Tito elaboram um tifo espectacular. Em termos vocais foram fracos. O grupo da Gradinata Nord (os Hawks) eram fraquinhos. Um tifo com balões e fraco apoio vocal, mas a imagem com que fiquei deles foram os caixotes com material a ser vendido ali na bancada. Muito mau. O apoio dos romanos é bom, mas falha um bocado na parte superior do sector. No entanto nunca consegui ouvir os Ultras dorianos. A Roma chega a estar a vencer com um golo do Totti mas a Dória empata. Não faz mal. O importante é estar ali. No meio da curva romana. O jogo termina. Reencontro o Fábio dos Fedayn. Trocamos os cumprimentos habituais. É um mito da Curva Sud.

Passada cerca de uma hora saímos do estádio. O Andrea alerta-nos para a presença de dorianos nas proximidades. Saímos dos carros, alguns perseguem-nos mas não os apanham. Os conigli dorianos continuam, também eles, iguais a si próprios.

Despedimo-nos. Agora sim. É mesmo o sentimento de abandono de Itália. A viagem até Milão faz-se sem problemas. Paramos pelo caminho para comer e fazer tempo. O voo é às 9h50 e a viagem entre Genoa e Milão é pouco mais de uma hora. Encontramos o Aeroporto e uma área de serviço onde pernoitamos debaixo de um frio cortante. O Cobra lá liga o motor e o ar condicionado e assim suportamos mais facilmente a gélida noite de Milão. Acordamos por volta das 8h. Entregamos o nosso carro, tomamos o pequeno-almoço, fazemos umas pequenas compras e pronto… Controlo das malas, e entrada no avião. Portugal está à distância de 2h30.

Chegamos a Lisboa. O Cobra não para de gritar “o Estádio do Benfica, the best of Portugal” para um estranja que partilhava a fila connosco. Um lagarto numa fila atrás repete (para ser notado…) “isso é discutível…”. É ignorado. Já devia tar habituado. É assim também no campeonato.

Os nossos amigos estavam à nossa espera em Lisboa. É bom regressar e ter gente à espera. Dá sempre um sentimento de pertença. Almoço no Barreiro entre os amigos e regresso a casa.

Que balanço ? O de sempre. É excelente ir a Itália. É excelente estar nas curvas, a pasta, a língua e sobretudo os amigos.

Grazie a Tutti. A presto…

Sasha Libero !!!